Nem sempre os cristãos foram enterrados dentro das igrejas.
Essa prática começou a divulgar-se no Séc. XII e foi ganhando importância de
tal modo que, no início do Séc. XVIII, era única forma de enterramento
aceitável.
Foi quando, um pouco por toda a Europa, começaram a ganhar
força as vozes que, invocando razões sanitárias, propunham ou exigiam o fim dos
enterramentos no interior das igrejas.
Entre estas vozes encontravam-se membros relevantes da
Igreja, como é o caso do Bispo D. Manuel de Aguiar que governou a Diocese de
Leiria entre 1790 e 1815, o qual teve a iniciativa de criar, em 1798, um
cemitério nas traseiras da Sé, proibindo os enterramentos dentro dela.
No entanto, apenas em 21 de Setembro de 1835, foi publicado
o decreto, assinado por Rodrigo da Fonseca, que determinava a criação de
cemitérios públicos em todas as povoações
E, em 28 de Setembro de 1844 foi publicado o decreto que
proibia os enterramentos no interior das igrejas.
A guerra civil tinha acabado há apenas dez anos, nem todas
as feridas estavam saradas e outras novas tinham sido abertas pelas políticas
cabralistas.
Foi assim que, a forte oposição popular à proibição dos
enterramentos nas igrejas foi a causa imediata da Revolta da Maria da Fonte
que, por sua vez, está na origem directa de mais uma guerra civil, A Patuleia,
que assolou Portugal entre 1846 e 1847 e só terminou após intervenção militar
estrangeira (inglesa e espanhola).
Havia de levar ainda tempo até à cessação definitiva dos
enterramentos nas igrejas, como se vê de uma curiosa observação na Relação do
Cemitérios Parochiais e Manicipaes do Concelho da Póvoa do Varzim, de 1 de
Fevereiro de 1858:
“Em
todas as freguesias rurais os adros servem de cemitérios, sendo porém
preferidas as Igrejas pela repugnância que os povos têm em fazer os
enterramentos fora d’ellas, o que também se verifica clandestinamente na Cabeça
do Concelho pela mesma repugnância e pela pequenez do actual cemitério
parochial.”
Era
a subsistência da velha idéia de que “receber sepultura sagrada significa para os católicos uma
via para diminuir as penas que deverão cumprir; uma oportunidade de obter a
salvação ou de garanti-la. Receber enterramento nas igrejas torna-se o caminho
para a eternidade no paraíso celeste.”([i])
Dentro da igreja, a localização das campas correspondia a
uma hierarquia (reflexo do lugar terreno do inumado), diminuindo de importância
desde a capela-mor até à entrada do templo.
Os enterramentos no adro eram para escravos, gente muito
pobre ou pessoas que, pelas circunstâncias da morte (ou da vida), não deveriam repousar
no interior da igreja.
Ora, na freguesia de São Vicente de Aljubarrota, como nas
demais, no início do 2º quarto do Séc. XIX, os enterramentos faziam-se, na sua
esmagadora maioria dentro da Igreja paroquial.
As excepções são raras, entre elas:
As excepções são raras, entre elas:
- O Pe Manoel de Souza, ou Manoel de Souza Coelho, dos
Casais de Santa Tereza, faleceu em 27-11-1825 e foi enterrado na Capela da
Santa Tereza, dos ditos Casais.
- O Pe Joaquim de Souza, da Ataíja de Cima, faleceu em
4-2-1827 e foi sepultado dentro da Capela de Nossa Senhora da Graça, da mesma Ataíja.
- Em 22-11-1827, faleceu, Francisca Coelha que foi sepultada
dentro da Capela de Nossa Senhora da Graça, da Ataíja de Cima.
- Em 21-10-1830, faleceu Perpétua Heitor, viúva que foi
sepultada dentro da Capela de Nossa Senhora da Graça.
Obedeceria, também, o enterramento nas capelas das aldeias,
a considerações de ordem hierárquica? Ou seja, uma vez que, tal como se diz no relatório (de 1758) do cura de São Vicente de Aljubarrota,
inserto nas Memórias Paroquiais: “a capella de Nossa Senhora da Graça … é do
povo daquele lugar que se chama Ataija de Sima”, isso significará que só
os ataijenses podem ser nela enterrados e, quando vemos que aí é enterrado o
Padre natural da terra, como na capela dos Casais é enterrado o Padre daí,
enquanto a generalidade das pessoas de ambos os lugares é enterrada na Igreja Paroquial, sabida a importância social dos Padres, então, somos tentados a
pensar que apenas as pessoas importantes do lugar eram enterradas na capela.
As duas mulheres enterradas em Nossa Senhora da
Graça eram, uma,
- “Francisca Coelha mulher que era de
Joaquim Heitor… (que) não recebeo sacramento algum por se achar afogada em huma
A Lagoa do dito Lugar procedido de hum delírio … (no entanto tinha) vivido como
boa cristam e temente a Deos de que foram Testemunhas o Tenente Raimundo Joze
de Souza Juiz ordinário e Joze gomez Coelho Tabelião das Notas (ambos, de
Aljubarrota) e, a outra,
- “Perpetua Heitor viúva que era de João Tavares moradores que
erão na ditta A Taija”. Esta, “fez testamento no Livro das Notas desta Villa
Testamenteiro Joaquim Heitor da A Taija de Sima”. Ou seja, o testamenteiro da Perpétua é o
marido da Francisca Coelha e tem o mesmo apelido da testadora. São pois, quase
de certeza, parentes.
As testemunhas (o Juiz e o Tabelião) indiciam o estatuto da
falecida Francisca e de seu marido.
Vamos ver o que, sobre a importância desta família, nos dirá
o testamento da Perpétua.
[i] PRÁTICAS
TRADICIONAIS DE SEPULTAMENTO NA CIDADE DE DIAMANTINA
, por Silveira,
Felipe Augusto de Bernardi, Revista Brasileira de História das Religiões.
ANPUH, Ano III, n. 7, Mai. 2010, consultado
online in http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pdf6/5Felipe.pdf,
em 27 de Outubro de 2013.
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