No Livro n.º 53, de Matrícula de Expostos Varões, do ano de 1857[i], a fl.
313, consta a matrícula n.º 1192, de uma criança do sexo masculino, entrada e
baptizada (Lvº 137 dos Baptismos, fl. 309, nº 1067) nesse dia 28 de Maio de
1857 e a quem foi posto o nome de Bernardino.
No dia seguinte, 29 de Maio de 1857, foi a criança entregue
à ama-de-leite Miquelina Augusta, moradora na Rua do Vale de Santo António, nº
154, freguesia de Santa Engrácia (actualmente freguesia de S. Vicente de Fora),
em Lisboa[ii].
De acordo com as regras em vigor naquele tempo, a ama foi
contratada por doze meses para a criação e amamentação do exposto, pagando-lhe o
Hospital dos Expostos de Lisboa (que, era como que uma divisão da Santa Casa da
Misericórdia de Lisboa) a quantia mensal de 1$600 (mil e seiscentos réis) e
total de 19$200.
Como normalmente acontecia, esse contrato foi renovado uma e
duas vezes, para que a mesma ama continuasse a criação do exposto, agora
alimentado a seco, sendo a primeira renovação por 12 meses de seco a 1$100, a
contar de 29 de Maio de 1858, valor total – 13$200 e a segunda por 12 meses de
seco a $900, a contar de 29 de Maio de 1859, valor total – 10$800.
E, temos a criança
chegada à idade de três anos.
Era a altura de,
reavaliadas as condições da ama e da criança, contratar a sua criação até à
idade de sete anos. Dependendo dos resultados da avaliação da situação da ama e
da criança, este contrato podia ser feito com a mesma ou outra ama.
No caso, ter-se-á
concluído que a criança estava de boa saúde e bem tratada e que a ama Miquelina
Augusta tinha todas as condições indispensáveis para continuar com a
responsabilidade da criação. Fez-se, assim, o contrato: 48 meses de seco a
$500, a contar de 29 de Maio de 1860, total – 24$000
No entanto, passado pouco tempo, menos de nove meses, algo
aconteceu com a ama que levou a que a criança fosse, em 25 de Fevereiro de 1861,
entregue a Carlota Júlia da Silva, solteira[iii],
moradora na Rua das Freiras, nº 8, loja, freguesia de Santa Maria de Belém[iv].
39 meses[v] de seco
a $500 – 19$500
Também esta ama não pode ou não quis cumprir o acordo e,
menos de três meses depois, em 6 de Maio de 1861, o Bernardino foi forçado a
mudar de casa, sendo entregue a Maria da Paixão, casada com José Francisco
Marques, moradores na Calçadinha do Tijolo, nº 48, Freguesia de São Vicente (de
Fora), ali às Escolas Gerais, bem no coração da velha Lisboa, entre a Graça e
Alfama e S. Vicente de Fora e as Portas do Sol.
Aí devia ter ficado pelos 37 meses que lhe faltavam para atingir
os sete anos de idade.
Mais uma vez o Bernardino não tinha, ainda, encontrado o seu
poiso e, 13 meses depois, em 18 de Junho de 1862, estava a ser entregue a
Joaquina Coelho, casada com José Machado, lavrador, “moradores no logar de
Atouguia de Cima (sic), freguesia de São Vicente de Aljubarrota”…
Finalmente, aos cinco anos de idade, o Bernardino tinha chegado a casa.
Finalmente, aos cinco anos de idade, o Bernardino tinha chegado a casa.
Cino anos depois, em 7 de Maio de 1867, quando o Bernardino
atinge a idade de dez anos, é celebrado o último termo de entrega, o chamado
“Termo de Vestir”[vi]. A entrega
é feita à mesma Joaquina Coelho, casada com José Machado, lavrador, residente
no lugar de Ataíja de Cima, freguesia de S. Vicente de Aljubarrota, concelho de
Alcobaça[vii].
Termo de Vestir de Bernardino dos Santos
Agora já não se trata da entrega da criança a uma ama que,
contra pagamento, se encarrega de o alimentar, cuidar e vestir.
Supõe-se que a criança, aos dez anos de idade, já é capaz de
produzir trabalho que vale a sua alimentação, educação e o vestir. Por isso, o
hospital dos Expostos, embora continue a vigiar o seu desenvolvimento, já não
pagará mais.
O jovem (hoje diríamos, a criança) trabalhará para a família
de acolhimento que, em contrapartida, deve
“… tratal-o como seu próprio filho, educando-o e instruindo-o quanto lhe
for possível … fazêl-o cumprir todos os deveres da nossa religião … procurar ou
ensinar-lhe uma profissão …”[viii]
[i]
Conservado no Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
[ii] A Rua
do Vale de Santo António desce, por um vale, da Rua dos Sapadores, à Graça,
para o Rio, na zona de Santa Apolónia e deve o seu nome à Capela do Vale de
Santo António, ou Ermida de Santo António do Vale, ali existente, construída na
2ª metade do século XVIII, no local onde, segundo a tradição, descansou Santo
António quando se dirigia ao Tejo, vindo do Convento de São Vicente de Fora,
para embarcar para o Norte de África.
O interior da capela é decorado com valiosos azulejos que
narram milagres de Santo António e cenas da vida de Nossa Senhora. (v. http://www.cm-lisboa.pt/en/equipments/equipment/info/capela-do-vale-de-santo-antonio,
consultado em 17-04-2015)
[iii] As
amas de seco podiam ser casadas, solteiras ou viúvas ou, até, homens. (ver o
que a propósito escrevemos em “Amas de Expostos” http://ataijadecima.blogspot.pt/2013/04/amas-de-expostos.html
[iv] A rua
não existe actualmente, ao menos com aquele nome.
[v] Ou seja,
para completar p tempo que faltava até aos sete anos, idade em que
[vi] No
final deste texto reproduzimos o Termo de Vestir do Bernardino. Vale a pena
clicar sobre a imagem para a ampliar e ler, com atenção, todo o seu texto.
[vii] Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia de
Lisboa, Lvº 25 de Vestir, fl. 227, Lvº 42 reforma, fl. 227
[viii] No
final deste texto reproduzimos o Termo de Vestir do Bernardino. Vale a pena
clicar sobre a imagem para a ampliar e ler, com atenção, todo o seu texto.
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