quinta-feira, 11 de junho de 2015

O Capitão Brasileiro de Chiqueda




A decifração da lápide reproduzida na fotografia, a qual se encontra na capela de Nossa Senhora do Carmo, em Chiqueda, foi proposta pela Associação Azenhas de Chiqueda aos leitores da sua página no Facebook (AQUI), em 20 de Abril p. p. sem que até agora, 11-6-2015, haja notícia de a lápide ter sido decifrada.

Como já dissemos mais de uma vez, embora este blog se dedique (exclusivamente, afirma-se no título) à divulgação da Ataíja de Cima, a verdade é que a Ataíja não é uma ilha e, quando se procura sobre o seu passado, sempre, inevitavelmente, surgem factos relativos a aldeias vizinhas. É o que agora acontece e, se decidimos elaborar este texto, foi porque “o caso da lápide” contém todos os ingredientes que nos motivam nas nossas “investigações”.

Vamos, então, tentar dar um pequeno contributo para a decifração da dita lápide.

Antes do mais, é preciso ter presente que uma lápide, se destina a assinalar um facto e o seu autor ou protagonista.
Na maior parte das vezes o que mais exactamente se pretende, é homenagear, engrandecer, glorificar, perpetuar o autor ou protagonista ou a sua memória e, por isso, se não poupa na descrição desse homenageado, enumerando nome, naturalidade, profissão e honras, morada, feitos, etc., cabendo ao facto assinalado servir de “prova” do merecimento da homenagem, engrandecimento, glória e memória de tal pessoa.
Termina-se, - todas as lápides terminam -, com a data. Porque uma lápide é, essencialmente, uma luta contra o tempo, uma ambição de eternidade.

É isso o que, também, se passa nesta lápide. Vejamos:

As primeiras palavras referem-se ao cargo ou profissão da pessoa que a placa quer honrar: O CAM, significará, por certo, O CAPITAM, quer dizer, O Capitão.

A palavra MEL, será, ainda, relativa ao posto ou cargo ou, por outro lado, será, como parece, o nome próprio Manoel. Contra esta última hipótese temos o facto de estar separada do resto do nome por uma vírgula que não teria aqui razão (mas, sempre se dirá que também não existe qualquer justificação para a vírgula que, por ex., mais adiante, se vê entre as palavras “DESTE” e “LVGAR”).

Segue-se o que, sem dúvida, já é o nome: iOZE, isto é, IOZE, José.
FROS poderia ser Francisco não fora (ou será, apesar de?) o S final.

A transcrição do restante texto não parece oferecer grandes dúvidas. Assim:

CAVRO, - CAVALEIRO
PROFO, - PROFESSO
NAORDEM,DECHRISTO – NA ORDEM DE CRISTO
NAT.ALDESTE,LVGAR, - NATURAL DESTE LUGAR
MORNACIDE,DABA – MORADOR NA CIDADE DA BAÍA
MANDOV FAZERESTA,CAPA, - MANDOU FAZER ESTA CAPELA
PA,NASADOCARMO,ANNO1800 – PARA NOSSA SENHORA DO CARMO, ANO1800


Em conclusão do que, a minha proposta de leitura para a lápide é a seguinte:

O Capitão Manuel José Francisco, Cavaleiro Professo na Ordem de Cristo
Natural deste lugar, morador na cidade da Baía, mandou
Fazer esta Capela para Nossa Senhora do Carmo, Ano 1800


O Couseiro, em meados do Século XVII, apenas assinala a existência, em Chiqueda, de devoção a São Brás, nestes termos:
“No Pisso (poço) do Soão, outra, (ermida) da invocação de S. Brás, imagem de vulto; não tem capela, nem nicho, nem retábulo, nem sacristia, nem sino, nem é forrada.”[i]

Pelas chamadas Memórias Paroquiais[ii], ficamos a saber que, cerca de cem anos depois, em 1758, “o lugar de Chaqueda tem vinte e oito vizinhos[iii].” e, “ (uma) ermida dentro do lugar de Chaqueda de Sam Bras, a qual pertence aos moradores do mesmo lugar;”

Ou seja, até 42 anos antes da data inscrita na lápide ainda não se invocava em Chiqueda a Nossa Senhora do Carmo.

O promotor da capela e responsável pela introdução da devoção a Nossa Senhora do Carmo em Chiqueda era, como vimos, morador na cidade de São Salvador da Baía, (que era, então, a maior cidade e capital do Brasil) o que explicará a sua devoção ao Carmelo que, por essa época, gozava de grande expansão em todo o Brasil e, particularmente na dita cidade e no Recôncavo baiano[iv].


Quem seria esse capitão, nascido em Chiqueda que talvez se chamasse Manuel José Francisco, enriqueceu no Brasil e o quis mostrar aos seus conterrâneos, no ano de 1800?





[i] Couseiro ou Memórias do Bispado de Leiria, Transcrição da 2ª edição, de 1898, pág. 264, Colecção Tempos & Vidas, 16, Textiverso, Leiria, 2011.
[ii] João Cosme | José Varandas (Introdução, Transcrição e Índices), Memórias Paroquiais (1758), Volume III [Almonde – Amorim], Edição Caleidoscópio e Centro de História da Universidade de Lisboa, 2011, pág.s 10 e 13.
[iii] Talvez, cerca de 90 ou 100 pessoas.
[iv] O conjunto do Carmo (Convento, Igreja http://www.hpip.org/Default/pt/Homepage/Obra?a=1123
  e Igreja da Ordem Terceira http://www.hpip.org/Default/pt/Homepage/Obra?a=1150) constitui, um dos mais importantes monumentos coloniais de S. Salvador da Baía. No entorno é, também, muito importante, o conjunto do Carmo em Cachoeira (http://www.hpip.org/def/pt/Homepage/Obra?a=972)
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3 comentários:

  1. Proponhouma outra interpretação: FRos não é FRANCISCO, é FROES! Manuel José Froes, irmão da minha tetravó Maria de Jesus Froes, natural destas terras, capitão, comerciante, enriqueceu em S.Salvador da Bahia.
    JORGE FROES

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  2. Muito obrigado, Jorge Froes, pela sua contribuição.
    Contra a hipótese de FRos ser Francisco estava o s final, como refiro no texto. A verdade é que me não ocorreu alternativa quando, afinal, Froes parece fazer bastante sentido.
    Se puder e quiser aportar mais elementos sobre o nosso capitão, eu e os leitores do blog ficar-lhe-emos agradecidos.
    José Quitério

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  3. Caro José Quitério
    Tenho muito gosto em contar a história deste meu tio-avô,nascido em 1750.Era irmão da minha penta (e não tetra) avó, filho de José Luis Froes. Cedo foi para S. Salvador da Baia, Brasil, onde fez fortuna como comerciante. Foi Capitão, Familiar do Santo Ofício, Cavaleiro da Ordem de Cristo e Escrivão da Inspecção da cidade da Baía. Aí casou com Maria (Luisa) Francisca do Nascimento (no Site GENEALL diz que esta senhora era casada com o Pai dele, José Luis Froes, mas está errado). Não teve filhos. Sei bem a historia deste meu familiar, por causa dum "pormenor" muito curioso ... Parece que a mulher era "fresca" e o enganou! Assim, há muita correspondencia entre ele o o Palacio da Ajuda, Lisboa, onde ele requer que a mulher seja deportada,internada num convento, etc,e as respetivas respostas...!
    Entretanto, este meu tio foi padrinho dos filhos da minha pentavó (também nascida na Chiqueda) e que era bisavó do toureiro Vitorino Froes, meu bisavô
    (Se me enviar um e-mail seu, eu posso contar melhor esta "estória". Aqui, é dificial. O meu e-mail é jorge.froes@planosessenciais.pt
    Este é um personagem que eu tenho pesquisado, no âmnito da minha pesquisa sobre a família Froes, e eu tinha muita curiosidade em saber se este Manuel José Froes foi enterrado na capela de Chiqueda (e a minha pentavó talvez). Conhece a capela por dentro? Sabe alguma coisa sobre isso? Também não sei onde seria a casa de Família em Chiqueda. Sei que o avô deles,Antoniuo Luis Froes é daddo como "Senhor da Quinta dos Velosos"? este nome diz-lhe alguma coisa?

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