No livro dos casamentos da freguesia de N. S. dos Prazeres
de Aljubarrota surge-nos, em 21 de setembro de 1790, o casamento de António de Melo enjeitado do Hospital Real da Cidade
de Marzagam.
Ora, Marzagam, Marzagão, há, pelo menos, três:
A freguesia de Marzagão, em Carrazeda de
Ansiães;
Um município no Estado de Goiás, no Brasil,
fundado no Século XX e actualmente com cerca de 2.500 habitantes;
Um distrito, no município de Rosário Oeste,
no Estado do Mato Grosso, no Brasil, igualmente fundado no Século XX e
actualmente com cerca de 1.400 habitantes;
Nenhuma destas teve alguma vez um Hospital
Real pelo que não era a nenhuma delas que o padre se referia.
Mazagão é nome parecido, mas há também
diversas. Vejamos:
Mazagão (Mazagaon), no século XVI uma ilha
e hoje uma área da cidade de Bombaim, (Mumbai) na União Indiana, cujo nome
alguns atribuem a colonos portugueses do século XVI. Também não foi esta a
localidade em que o António de Melo foi enjeitado, desde logo porque Bombaim já
não estava na posse dos portugueses desde 1661, quando passou ao domínio inglês
incluída no dote de D. Catarina de Bragança que então casou com o rei de
Inglaterra, Carlos II.
Mazagão, inicialmente chamada Nova
Mazagão, hoje uma pequena povoação chamada Mazagão Velho[i] a trinta quilómetros da
Mazagão Nova, actual sede do município, tudo na margem do Rio Amazonas, no
Estado do Amapá, Brasil, foi fundada em 1770 por determinação do Marquês de
Pombal que para aí quis forçar a emigração de todos os portugueses retirados da
praça marroquina de Mazagão na sequência do abandono desta nos termos do Tratado
de Paz celebrado com o Sultão de Marrocos.
Mazagão, hoje El Jadida, em Marrocos, foi
uma praça militar na orla costeira atlântica, uma das mais importantes cidades
fortificadas que os portugueses ali detiveram. Foi ocupada entre 1486 e 1769,
tendo sido a última do norte de África a ser abandonada, depois de Ceuta
perdida para Espanha na sequência da Guerra da Restauração, e de Tânger que,
tal como Bombaim, passou para Inglaterra como parte do dote de D. Catarina de
Bragança. [ii], [iii]
Tudo visto, o nosso António Mello, enjeitado
do Hospital Real da Cidade de Marzagam, que em 21 de Setembro de 1791 casou em
N. S. dos Prazeres de Aljubarrota com Teodora Machado, com quem foi morar na
aldeia do Carrascal, só pode ter sido enjeitado na cidade marroquina de
Mazagão, nos últimos anos da sua ocupação portuguesa.
Sendo de admitir que o António Mello teria
na data do seu casamento uma idade próxima aos 30 anos (o que, talvez, o
assento do seu óbito poderá melhor precisar) significa isso que terá nascido
cerca de 1760 e era uma criança quando Mazagão foi abandonada pelos portugueses.
Mazagão era, ao tempo do provável
nascimento do António Mello, uma cidade sitiada, alvo de frequentes ataques e
cercos, tendo o mar como única porta de saída e dependendo da metrópole
portuguesa como fonte de abastecimentos. Lá residiam, todos com as suas
famílias, os militares, os burocratas, os comerciantes, os artesãos e os seus criados
e escravos, perfazendo menos de duas mil pessoas.
O que terá levado ao seu enjeitamento?
Quem seriam os seus pais? Era filho de portugueses?
De português(a) e escravo(a)? De português(a) e mouro(a)? O seu aspecto físico
denunciava a sua progenitura?
Como chegou ao Carrascal?
Terá vindo bébé de Mazagão para Portugal e
aqui sido dado a criar a uma ama, como acontecia aos enjeitados do Real
Hospital de Lisboa, ou terá vindo com os demais portugueses que em 1769 aqui
fizeram escala antes de serem reencaminhados para o Brasil onde, aliás, chegou
apenas cerca de metade, umas 340 famílias, tendo os outros logrado ficar em
Portugal?
[i] Quando
andava em busca de elementos que me permitissem deslindar o local de
enjeitamento do António de Mello encontrei um interessantíssimo relatório de
trabalhos arqueológicos intitulado Uma Vila Pombalina na Amazônia - Mazagão
Velho Em Uma Perspectiva Arqueológica, de Marcos Albuquerque e Veleda
Lucena, Editora CRV, Curitiba, Brasil, 2020, que não só dá um amplo relato da
fundação e vicissitudes da Mazagão amazónica, como constitui um límpido roteiro
dos trabalhos arqueológicos ali realizados.
[ii] É
extensa a bibliografia sobre a presença portuguesa em Marrocos muita dela
acessível gratuitamente na internet mas, por toda, recomendo Os Portugueses
em Marrocos, de António Dias Farinha, Edição Instituto Camões, Lisboa, 1999.
[iii] As
fortificações portuguesas de Mazagão fazem parte, desde 2004, da lista do
Património da humanidade da UNESCO.
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