No final do Séc. XVIII, mais precisamente em 1791, quando
reinava a Sra. D. Maria I, foi elaborado o projecto da Estrada de Rio Maior a
Leiria[i]
que, por isso, ainda hoje é conhecida por Estrada de D. Maria Pia.
Aprovada por despacho, de 4 de junho de 1792, do
Desembargador superintendente geral das Estradas, José Diogo de Mascarenhas
Neto e construída nos anos seguintes, por ela circulou a partir de 1798 a
carreira da Malaposta de Lisboa a Coimbra.
O referido despacho que se encontra integralmente transcrito
por Ricardo Charters de Azevedo[ii],
tal como, aliás, o projecto de “delineamento” da estrada, contém abundante
informação sobre a região, incluindo os pontos de água usáveis pelos viajantes
e animais de tiro e, por isso, absolutamente indispensáveis: “a maior distancia
… he de três legoas desde os Candieiros athe aos Carvalhos[iii],
mas quase no meio deste espaço há o poço do Muliano”.
As estalagens, ponto de alimentação e dormida ou descanso de viajantes e bestas e de muda das atrelagens, tinham de estar situadas, ao longo do percurso, a distâncias mais ou menos regulares que permitissem a substituição das parelhas, daí que o despacho não esqueça que “o sitio dos Candieiros necessita de huma estalage, e da mesma forma o dos Carvalhos”, (em 1791, conforme o Mapa, já existia uma estalagem na Cumeira de Cima[iv], no entanto, fora do caminho agora delineado).
Na caracterização da região a que, como justificação pela
opção tomada, o despacho procede, o uso do solo também não foi esquecido,
notando o desembargador que “a agricultura do terreno compreendido no mappa
consiste em azeite, trigo, milho e vinha principalmente na porção que pertence
aos Coutos”[v]
Num espaço escassamente povoado, tendo “cada legoa quadrada
menos q 1800 habitantes” e muito pobre, onde os povos “respirão pobreza e
rusticidade”, a estrada iria ainda, aos olhos do superintendente, contribuir
para “o aumento da população e o progresso da agricultura”.
Aquando das Invasões francesas a Malaposta Lisboa – Coimbra
já não existia, uma vez que face aos persistentes deficits de exploração o
serviço foi extinto, tendo durado escassos seis anos, entre 1978 e 1804.
A partir daí e durante mais seis anos não conhecemos outras
referências à estalagem dos Carvalhos, mas em Outubro de 1810, aquando da 3ª
Invasão Francesa, a Estrada de D. Maria I foi um dos caminhos seguidos a partir de Leiria, pelos
exércitos de Wellington, no seu recuo para as linhas de Torres, bem como pelos
exércitos franceses de Massena que o perseguiam. De acordo com o General Koch[vi],
em 7 de outubro Soult[vii]
instalou-se nos Carvalhos[viii], Sainte-Croix bateu a região entre Molianos e Candeeiros e o General Montbrun
instalou-se, com a artilharia, “à direita dos Molianos”.[ix]
Koch não menciona o estado da estrada, que ainda havia de
ser bom, mas não podia dizer pior da zona: “É impossível ver uma região mais
miseranda que a que vai de Carvalhos a Rio Maior; Candeeiros e Moliano não têm,
sequer, o aspecto de lugarejos, e só apresentam meia dúzia de péssimas cabanas
esparsas numa planície nua e árida onde não há cereais nem forragem nem água”.
Demos o devido desconto ao militar frustrado e cansado, mas
lembremo-nos do que o Desembargador Mascarenhas Neto tinha dito dezoito anos
antes.
Enquanto durou, a Malaposta teve na Estalagem dos Carvalhos
um importante ponto de apoio, já que era aí que se cruzavam, era servida a ceia[x]
e passavam a noite as carruagens vindas de Lisboa e de Coimbra, tudo conforme
minuciosamente regulado nas Instruções para o estabelecimento das diligências
entre Lisboa e Coimbra[xi].
A estalagem dos Candeeiros, referida no despacho mencionado
do Desembargador Mascarenhas Neto, parece não ter chegado a ser construída, mas
o lugar continuou a ter a importância resultante da existência de água no Poço
dos Candieiros. Nos Molianos é também referida a existência de um poço, “de q
uzam os habitantes daquele distrito”, o qual, no entanto, não é assinalado no
Mappa de 1791.
Eventualmente relevantes para os viajantes deste troço do
caminho terão sido as Vendas nele existentes que eram, segundo o Mappa, a Venda
do Vintém, na Moita do Gavião, a Venda dos Candeeiros e a Venda da Laranja,
perto da Sra. da Piedade (Molianos).
O desvio da estrada
real para as Caldas da Rainha e Alcobaça implicou o abandono da estrada de D.
Maria Pia, a qual só veio a retomar importância no início dos anos 60 do Séc.
XX, com a construção do actual IC2. Consequentemente, o serviço de diligências,
quando é retomado em meados do Séc. XIX, já não passa pelas Pedreiras pelo que
a Estalagem nunca voltou à sua função inicial e acabou por ser vendida em hasta
pública cerca de 1856[xii]
Depois disso foi
mercearia, taberna e habitação. No lugar das cavalariças, houve um lagar de
azeite e na cozinha ainda há uns quarenta anos existia a grande chaminé.
Recentemente, sobre
as velhas paredes, foi construída uma vivenda cujo primeiro andar assenta na
cornija original de cantaria, em meia cana simples, que corre toda a fachada.
O traçado original
da Estrada de D. Maria ainda hoje é facilmente reconhecido na quase totalidade
do percurso entre a Moita do Gavião e as Pedreiras, constituindo, aliás, a rua
principal de diversas localidades, nomeadamente, os Candeeiros, os Molianos e
as Pedreiras.
Em Maio de 2020, era este o aspecto da Estalagem dos Carvalhos:
[i] Ver
Ricardo Charters de Azevedo, A Estrada Rio Maior a Leiria em 1791, colecção
Tempos Vidas, 15, Textiverso, Leiria, 2011.
[ii] Op.cit.,
págs. 55 e 56.
[iii] Ou
Pedreira dos Carvalhos, que hoje conhecemos por Pedreiras.
[iv] Acima
da Cumeira há um lugar chamado Albergaria. Poderiam, albergaria e estalagem,
ser uma e a mesma coisa. No entanto, o Mapa assinala ambas.
[v] Aos
Coutos da Alcobaça, obviamente.
[vi] General
Koch, Memórias de Massena, Campanha de 1810 e 1811 em Portugal, Introdução de
António Ventura, Livros Horizonte, Lisboa, 2007
[vii]
General de Napoleão. Foi o comandante da 2ª Invasão de Portugal.
[viii]
Certamente na Estalagem que, apenas seis anos após o fim do serviço da Malaposta,
ainda havia de estar em relativo bom estado de uso e, comparativamente com
quaisquer outras construções da região, com as melhores condições para o alojamento do
Estado-Maior da Brigada.
[ix] Em Janeiro
de 1834, pouco mais de 23 anos depois destes acontecimentos, de novo a região
entre Molianos e as Pedreiras foi objecto de ocupações militares. Ver: neste
Blog A Guerra Civil (1832-1834) na nossa
região, in Ataíja
de Cima: A Guerra Civil (1832-1834) na nossa região (ataijadecima.blogspot.com)
[x] A ceia
era a refeição da noite, a que agora chamamos jantar. O jantar era a refeição
do meio do dia, aa que agora chamamos almoço, servida cerca das duas horas da
tarde. Ainda era assim na aldeia da minha infância.
[xi]
Godofredo Ferreira, A Mala-Posta em Portugal, Lisboa, 1946, citado em Armindo
Vieira, Pequena Monografia das Pedreiras, Pedreiras (Porto de Mós), Maio 2007.
[xii]
Armindo Vieira, op.cit., de onde também se retiraram as demais referências aos
usos do local.
Eis a planta:
ResponderEliminarhttps://postimg.cc/VJQhvTp2
Em breve farei desenho 3D, simulando como seria o edifício original, caro José Quitério.
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