Em 7 de Agosto de 1878 foi celebrada no escritório de F. Eliseu Ribeiro, tabelião em Alcobaça, uma escritura do seguinte teor:
“Saibam quantos esta escriptura de compra e venda virem que no anno do nascimento de nosso senhor Jesus Christo de mil oito centos setenta e oito, aos sete dias do mês de Agosto, n’esta Villa d’Alcobaça, no meu escriptório, compareceram d’uma parte como vendedores Lourenço Quitério, trabalhador e sua mulher Simpliciana Maria, moradores na Ataija de cima, freguesia de Sam Vicente d’Aljubarrota, deste concelho d’Alcobaça e da outra parte como comprador o Doutor José Sanches de Figueiredo Barreto Perdigão, casado, médico-cirúrgico e proprietário, morador n’esta Villa, todos pessoas do meu conhecimento pelo que dou fé serem os próprios … pelos dois primeiros outhorgantes foi dito: Que por herança que houveram de seu pai e sogro Joaquim Quitério, morador que foi na mesma Ataíja, são senhores e possuidores d’uma morada de casas baixas, sitas na sobredita Ataíja de cima, a partirem do norte e do sul com caminhos públicos, de nascente com João de Sousa e poente com José António de Castro. Que da mesma forma que as possuem, livres e dezembaraçadas, as vendem de hoje para sempre ao terceiro outhorgante, pelo preço de trinta e sete mil e oito centos réis, metal, valor que n'este acto receberam da mão do comprador em moedas de ouro e prata legais…”
Pela descrição das confrontações, percebe-se que as casas se encontravam no “coração do “lugar” pois só aí havia ruas paralelas correndo no sentido leste-oeste.
O comprador veio a possuir as referidas casas durante vinte e um anos, até ao dia 28 de Outubro de 1899, quando as vendeu a Sabino dos Santos, da Ataíja, pela quantia de trinta e três mil setecentos e cinquenta réis, conforme se vê de um recibo por si manuscrito, em meia folha de papel branco, contendo um carimbo a óleo com os dizeres “J S F Barreto Perdigão / Médico-Cirúrgico / em Alcobaça” e assinado sobre um selo fiscal de 20 Réis.
Estes documentos têm duas curiosidades que importa realçar:
Por um lado, permitiram-me identificar alguns possíveis antepassados. Por outro, deixam-me uma grande interrogação.
Já sabíamos que, naquela época, os burgueses de Alcobaça eram importantes proprietários rurais na Ataíja. Mas não sabíamos que também tinham sido proprietários, ainda que episódicos, de prédios urbanos.
O Dr. Barreto, como ficou conhecido, nasceu em Alcobaça em 1849 e aí faleceu em 1933. Tinha, pois, vinte e nove anos quando fez a compra, seis anos depois de, em 1872, se ter formado na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa. Era um jovem médico. A compra das casas que tinham sido de Joaquim Quitério não seria o investimento mais óbvio (se era investimento foi mau, porque vinte e um anos depois as vendeu com prejuízo) e também não tenho notícia de que aí tenha montado consultório.
A dúvida é: Porquê e para quê um médico de Alcobaça quereria, em 1878 (há cento e trinta e três anos), uma casa na Ataíja de Cima?
Notas:
O Dr. José Sanches de Figueiredo Barreto Perdigão foi o primeiro presidente da Câmara de Alcobaça após a implantação da República, tendo tomado posse do cargo no dia 8 de Outubro de 1910 e permanecido em funções até 1 de Janeiro de 1914.
Mais elementos biográficos do Dr. Barreto podem ver-se em “Figuras de Alcobaça e sua Região”, Volume I, por Bernardo Villa Nova, Alcobaça, 1959”, (reedição, Rebate, Alcobaça, 2002).
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