sábado, 1 de maio de 2010

Os Frades e a Ataíja de Cima - III - Outros lagares, antes do lagar dos frades

Quando os frades procederam (ordenaram, o trabalho não foi dos frades) à plantação do Olival do Santíssimo e à necessária construção do Lagar dos Frades da Ataíja de Cima, não o fizeram por uma decisão meramente voluntarista mas, antes, para acompanhar o processo de ocupação e aproveitamento agrícola da zona da base da serra dos Candeeiros onde, como concordam os historiadores, já se vinham plantando oliveiras desde o final do Séc. XVII.


Se, como parece certo, foi no mandato do Abade D. Frei Manuel de Mendonça, (quer dizer, entre 1768 e 1777) que se iniciou ou procedeu à plantação do Olival do Santíssimo e à construção do lagar, então deve recordar-se que o Abade era sobrinho do Marquês de Pombal e, não será exagero dizê-lo, seu correlegionário político. (não por acaso, o abaciato de D. Frei Manuel de Mendonça termina em 1877, o mesmo ano em que morre o Rei D. José I e, consequentemente, o ano em que cessa o poder do Marquês de Pombal).

Estas obras de fomento agrícola promovidas pelo abade podem, por isso, ser enquadradas na política geral pombalina de reforma da economia portuguesa.

É certo que a política económica pombalina foi, sobretudo, uma política industrial (na nossa região o exemplo, de todos conhecido, é a criação da fábrica de vidros dos irmãos Stephens, na Marinha Grande) sendo comparativamente irrelevantes as acções dirigidas à agricultura (aqui com a excepção da atenção dada aos vinhos do Porto, com a criação da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro e da primeira região demarcada de produção de vinhos que houve no mundo).

Mas, no caso de Alcobaça e do seu Mosteiro, cujas propriedades eram agrícolas, tudo o que devesse ser feito em termos de reformas havia, necessariamente, de passar pela agricultura. Mas não só. É, ainda, sob o mandato de D. Frei Manuel de Mendonça que se procede a uma funda reorganização dos mosteiros cistercienses portugueses e, com o apoio directo do Marquês de Pombal, é criada no Mosteiro a Real Fábrica de Lençaria e Tecidos de Alcobaça a qual, no âmbito de uma política de privatizações, como hoje se diria, foi vendida a particulares na sequência de uma ordem de 6-7-1892.


Quando Frei Manuel de Figueiredo diz que: “No lugar das ataijas estavam muitas terras incultas, no total domínio do Mosteiro e este as doou ao Administrador das rendas destinadas ao Santíssimo Sacramento e o Administrador mandou aí plantar olival e fazer um lagar que aí se conserva”, isso significa o óbvio: que nem todas as terras estavam no total domínio do Mosteiro.

Havia muitas terras que não eram do Mosteiro (mas sobre as quais e os seus produtos o Mosteiro cobrava impostos diversos e pesados) e foi nestas terras que outros que não os frades plantaram, desde os finais do Séc. XVII, extensas áreas de olival. E, necessariamente, tiveram de construir os lagares para processar a azeitona.

Assim, na nossa região e, certamente, por todos os coutos, os lagares de azeite eram bem mais dos que, hoje, se conseguem identificar através da documentação (designadamente, o inventário a que se procedeu em 1834) do Mosteiro.

Só na pequena distância que vai do Lagar dos Frades da Ataíja de Cima até aos Molianos se identificam, em 1791, três lagares, nenhum deles pertencentes ao Mosteiro (v. “MAPPA TOPOGRAPHICO/ Levantado/ em M.DCC.XCI./ Pelos Officiaes de Infanteria com exercicio de Ingenheiros/ O Coronel Luiz Candido Cordeiro Pinheiro Furtado,/ e o Sargento-Mor Henrique Niemeyer,/ Desenhado/ Pelo segundo Tenente Carlos Luiz Ferreira da Cruz Amarante,/ Para servir de delineamento da estrada desde/ A Serra de Rio-Maior athe Leiria,/ Na conformidade do Alvara de XXVIII de Março do mesmo/anno e das instruçoens dadas/ Pelo Illm°. e Exmo. Sor. Joze de Seabra da Silva/ Ministro e Secretario de Estado dos Negocios do Reino/Ao Dezor. Superintendente Geral das Estradas/ Joze Diogo Mascarennas Neto./ Quartel de Condexa./ 16 de Agosto de 1793”).

O facto de estes lagares estarem representados num mapa elaborado cerca de vinte anos depois da presumível construção do Lagar dos Frades da Ataíja de Cima significa, a nosso ver, duas coisas: (a) que se mantinham, então, em funcionamento e, (b) que eram de construção anterior ao Lagar dos Frades da Ataíja de Cima. Ora, naquele tempo, as oliveiras do olival do Santíssimo apresentavam, ainda e necessariamente, pequeno porte e, por isso, pequena produção, e a capacidade de processamento do lagar da Ataíja de Cima não estava, certamente, esgotada. A manutenção em funcionamento daqueles três lagares significará, assim, a resistência dos povos a, neste domínio, submeterem-se aos interesses imediatos dos frades.

Mas sobre o que, realmente, se passava sabemos muito pouco porque os historiadores têm tendência para se centrar nos frades e no seu ponto de vista. É precisa uma nova leitura dos documentos fradescos (que outros não há ou são muito escassos) que tenha por objectivo encontrar neles as pessoas e as suas vivências.

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