terça-feira, 24 de novembro de 2009

Os olivais da Ataíja, com (a despropósito) uma curiosidade sobre a morte de D. Maria II

Os olivais da Ataíja

Durante mais de duzentos anos, pelo menos desde o início do Séc.XVIII e até passados os meados do Séc. XX, a Ataíja viveu em redor dos grandes olivais que a cercavam e preenchiam todo o espaço até à base da Serra dos Candeeiros.

A importância da cultura da oliveira é, ainda agora, evidente pelo peso que tem na toponímia local e pelo número de lagares que, ainda muito recentemente, existiam na região.

Grande parte dos olivais era, no entanto, propriedade de não residentes. Apenas algumas famílias, em regras as de maiores posses, possuíam terrenos nos “Olivais”, nome que, genericamente, se dava a todos os terrenos situados nas margens do actual IC2. Para os naturais ficavam as terras situadas na crista da margem esquerda da ribeira do Mogo, os respectivos vales e parte da encosta da margem direita.

Exemplos de olivais propriedade de não residentes:

Olival da Maria Almeida, propriedade de uma Maria Almeida que não consegui, ainda, melhor identificar.
Olival do Brilhante, propriedade do Dr. Brilhante (José Maria dos Santos Brilhante, 1821-1880) natural de Alcobaça, onde há uma rua com o seu nome. Foi ilustre médico homeopata e publicista, proprietário e redactor da revista Agulha Médica e da Gazeta Homeopática Lisbonense, escreveu muito em diversos jornais e revistas.
Por curiosidade, aqui fica uma parte do que o Dr. Brilhante escreveu a propósito das condições em que se verificou a morte de D. Maria II, ocorrida em 15 de Novembro de 1853, durante os trabalhos do seu décimo-primeiro parto, tinha então a Rainha 34 anos:
«O boletim destes médicos é o seu corpo delicto. [...] Correm por aqui differentes evasivas e diz-se que já estava profetisada a morte e S. M. advertida disto pelos seus médicos! Sendo assim, e tendo os seus práticos dados sufficientes para esta profecia, deviam ter-lhe praticado o parto prematuro do 4.º mez em diante, e porque não o fizeram?...
A verdade é esta: os seus médicos à excepção de Manoel Carlos Teixeira, não sabiam, nem sabem nada de partos. O doutor Elias e Benevides são dois velhos, médicos exclusivos, e ignorantes de tudo que diz respeito à cirurgia; o doutor Kesseler é um pratico sem experiencia e está no mesmo caso; o Farto é um antiquíssimo cirurgião que apenas sabe ler, se sabe, e nada mais. Foram estes os cinco práticos que deram recursos à Soberana.
Depois de morta, veio o Snr. Marquez de Fronteira buscar o Snr. José Lourenço da Luz, operador conhecidissimo pela sua habilidade, e dizem que tambem fora chamado o Snr. Magalhães Coutinho! O Snr. José Lourenço da Luz entrou no quarto de S. M., achou-a morta, ajoelhou, beijou-lhe a mão e sahiu consternado. Quizeram que elle assignasse o boletim, e ele não quis... As inteligencias só foram chamadas para fiscalizarem a morte!!
Espero que «O Esculapio» se occupe de fustigar a ignorância, para que ela não mova os destinos da minha infeliz pátria. [..]
22 de Novembro de 1853»
In. O ESCULAPIO: Boletim Semanal de Medicina, Cirurgia e Pharmacia, Lisboa, 21 de Dezembro de 1853
Olival do Capitão, ou Olival do Mira. O capitão Silva Mendes, figura muito conhecida na região na primeira metade do Séc. XX, era natural de Turquel, fez parte do Corpo Expedicionário Português que combateu em França durante a Primeira Guerra Mundial e foi, durante muitos anos, Governador Civil de Leiria e Deputado da União Nacional.
Olival do Couto, ou Olival do Sá.
Olival do Frade, ou Olival dos Frades, ou olival do Santíssimo.
Olival do José dos Santos, Um olival que era propriedade de um José dos Santos, dos Montes.
Olival do Mira, é o mesmo olival que foi do Capitão Silva Mendes. O Mira, ao que julgo assim chamado por ser da zona de Mira de Aire, era mais um de vários proprietários absentistas, residentes fora da aldeia. Toleravam e não agradeciam que alguns locais cultivassem as terras e apenas recolhiam para si a azeitona. Neste olival, na parte a oeste do IC 2, estão, actualmente, as instalações dos Armazéns São Vicente.
Olival do Raimundo, o olival que começava Traz do Muro e, em 1834, era propriedade do Coronel Raimundo Veríssimo de Sousa. A designação de Olival do Raimundo mantém-se, aplicada a uma parte desse olival, situada um pouco mais a norte. Na parte a Oeste do IC 2 estão, actualmente, as instalações da empresa Arte e Fogo e outras.
Olival do Sá. O Sá era genro do Couto, a quem sucedeu na propriedade (ambos eram comerciantes em Alcobaça). Assim, o olival do Sá e o do Couto são um e o mesmo. Está, hoje em dia, parcialmente ocupado pelas instalações da Germano & Cordeiro, Lda. Mantém-se, embora ameaçando ruína, a casa dos caseiros, com pátio, curral e cisterna. Nesta cisterna abasteceu-se, durante muitos anos, a família de Porfírio Coelho, até que os filhos, cansados de percorrer quilómetros por um cântaro de água, conseguiram que o pai acedesse a construir uma pequena cisterna no pátio da sua casa.
Olival do Santíssimo, v. Olival dos Frades.
Olival do Zé Militar, O José Militar era um comerciante alcobacense.
Olival dos Frades. Também chamado Olival do Santíssimo por, ao que parece e como já explicamos num outro post, os frades usarem um sistema de contabilidade por consignação, seja, em que as diferentes receitas eram, previamente e por regra, afectas a diferentes tipos de despesa, sendo as receitas deste olival usadas para suportar as despesas do culto e louvor ao Santíssimo Sacramento. Era, em 1885, propriedade do Dr. Zagalo, médico de Alcobaça e foi, depois, de Olímpio Trindade Jorge, comerciante de Alcobaça, o qual marcou os limites da propriedade com um vasto conjunto de imponentes marcos, muitos deles ainda hoje existentes. Todos esses marcos têm gravadas, de um dos lados, as iniciais do Santíssimo Sacramento (SS) e, por baixo, as do proprietário (OTJ) e, do outro lado, o número do marco. Mais tarde, em 1918, este olival veio a ser adquirido pelo ataíjense Matias Ângelo.

Sendo os olivais de não residentes, natural era que o mesmo se passasse com os lagares. Eram propriedade de comerciantes alcobacenses o Lagar de Ferro (assim chamado por ter sido o primeiro a ser equipado com prensas hidráulicas), na Ataíja de Baixo e o lagar do Diamantino (de Diamantino dos Santos Vazão), entre a Ataíja de Cima e os Casais de Santa Teresa.

Outros olivais:

Olival da Burra. Fica a meio da Rua do Martins que há cinquenta anos era lugar de olivais densos. Havia ali várias oliveiras situadas fora de paredes, na margem do caminho. Eram as oliveiras da Senhora, pertença de uma antiga e então já desaparecida, Confraria de Nossa Senhora da Graça. Também havia oliveiras da Senhora em pleno terreno de outrem (vim mais tarde a perceber que se tratava de direitos de superfície), em vários locais. Competia ao Juiz designado da festa de Nossa Senhora da Graça (Nossa Senhora das Candeias, como se chama em outras terras), providenciar o tratamento das oliveiras, designadamente a poda e a apanha da azeitona, a benefício da Capela.
Olival da Casa. Por nele haver uma construção que servia para guarda de utensílios, adubos, sementes, colheitas e alfaias agrícolas e de abrigo contra as intempéries.
Olival da Estrada. Algumas pessoas designam assim as suas respectivas parcelas quando situadas junto do IC 2.
Olival da Raposa. Onde se situam as instalações da cerâmica Safaril (actualmente desactivada).
Olival da Senhora. Na separação entre a Ataíja e os Casais de Santa Teresa, no caminho que, saindo da Rua das Seixeiras para poente, leva aos Casais de Baixo. Foi arrancado quando eu era pequeno e, em seu lugar, semeado pinhal. Era propriedade da Confraria de Nossa Senhora da Graça.

Nota: Este post resume algumas investigações que vimos fazendo sobre a toponímia ataijense. Tenho consciência de que está incompleto e tem, talvez, alguns erros. Agradeço aos leitores que encontrem omissões, erros ou outras deficiências, toda a colaboração que puderem prestar. Contacto: jose.quiterio@sapo.pt


A Ataíja, em meados do Séc. XX era, ainda, um imenso mar de oliveiras:
(fotografia de meados dos anos cinquenta do Séc. XX, publicada na monografia "A Região a Oeste da Serra dos Candeeiros", edição do Centro de Estudos de Economia Agrária da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1961)

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