Manuel Rei de Carvalho, conhecido pelas alcunhas de Manuel dos Ovos, ou Manuel Sarrano, era, como a sua mulher, natural da Bezerra, uma aldeia “de trás da serra”, o que lhe valeu a alcunha.
Instalou-se na Ataíja de Cima já casado e com filhos, onde explorou uma taberna que adquiriu a Alfredo Ângelo e onde vendia também mercearias, alguidares, cântaros e panos.
Durante a maior parte do tempo fazia o seu negócio circulando, numa velha bicicleta onde transportava uns ceirões, por todas as aldeias dos arredores comprando ovos em troca de pano (ía, pelo menos, até Chiqueda que aí, em 1966, quando parti uma perna ao chocar com a bicicleta contra a ponte do rio Alcoa, ele foi uma das primeiras pessoas a chegar ao pé de mim). Devido ao peso das mercadorias que transportava, apenas nas descidas ou em terreno liso montava a bicicleta, indo a maior parte do tempo a pé, caminhando atrás da bicicleta que empurrava e conduzia, com mestria, segurando pelos ceirões.
Era analfabeto mas inventou um sistema de sinais constituído por cruzes, círculos e cruzes dentro de círculos, para significar as diversas moedas e notas. Sendo ele já velho tentei que me ensinasse o código mas alegou que já não se lembrava.
No ínicio dos anos cinquenta fez obras na taberna, ampliando as instalações e acrescentando-lhe um 2.º piso onde fez residência. Lembro-me dessas obras porque o meu avô Quitério tinha um pé-de-cabra, ferramenta que, como todas naquele tempo, era rara e, por isso, teve nelas a incumbência de arrancar os pregos das madeiras velhas para, endireitados, serem reutilizados.
Antes de se fixar na Ataíja. o Manuel dos Ovos era mais um dos comerciantes de Detrás da Serra que, periodicamente, passavam a vender panos, linhas, elásticos, agulhas e botões que transportavam ao dorso de mulas, recebendo ovos em pagamento. A alcunha Sarrano transmitiu-se aos filhos Fernando, Lúcia e Celeste mas não aos outros dois (Diamantina e Horácio) por evidente desnecessidade, já que a singularidade dos nomes os distinguia perfeitamente.
O filho Horácio de quem fui companheiro de brincadeiras em criança e com quem aprendi a andar de bicicleta, em velha máquina sem travões, foi proprietário de um dos primeiros automóveis de passageiros da aldeia, um velho Studbacker que às tantas foi vítima da forte rivalidade que, tendo quase sempre por motivo tentativas de namoro de raparigas da outra aldeia, naquele tempo ainda opunha os Casais de Santa Teresa à Ataíja de Cima e veio de lá, dos Casais, com uma machada (machado, na Ataíja, sempre foi dito no feminino) cravada no Capot.
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