quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Os liberais e o Mosteiro de Alcobaça



No ano de 1821, as Cortes Gerais e Constituintes debatiam a reforma dos Forais e do sistema enfitêutico que afogava a agricultura (quer dizer, num país predominantemente rural como era Portugal, a economia). Assistia-se ao estertor do Antigo Regime de que o Mosteiro de Alcobaça era parte integrante e grande beneficiário.

O deputado Borges Carneiro era um activo defensor do fim dos forais e, nas intervenções que nesse ano fez nas Cortes, por muitas vezes se referiu aos frades bernardos como acabado exemplo de opressor dos povos que gemiam sob o peso de uma multiplicidade de imposições tributárias.

Eis alguns excertos das intervenções daquele deputado sobre a matéria:


“Com que direito podia o Sr. D. Afonso Henriques, posto no alto da serra dos Carvalhos, dizer (se é que o disse; pois a maior parte destas coisas que andam escritas pelos cartórios dos frades são patranhas que eles se puseram a inventar nas celas depois de terem a barriga bem cheia a custa do pobre lavrador); mas torno a dizer, com que direito podia o nosso primeiro Rei dizer do alto daquela serra: Tudo quanto daqui estou vendo águas vertentes ao mar por uma linha tirada desde Óbidos pelas cimalhas de Aljubarrota até Porto de Muel, com suas águas e ventos, tudo dou de propriedade aos monges de S. Bernardo para aqui fazerem um mosteiro?


Porventura podiam os Reis dispor deste modo do território da Nação, e mandar que quantos nele morassem paguem o quarto de seus frutos àqueles ociosos frades?



Quê? Os Reis são senhores do fruto do suor de quem trabalha para o darem a quem não trabalha? Podem eles em boa razão tirar uma parte dos frutos dos lavradores para erigir comendas, alcaidarias-móres, almoxarifados, etc., para os dar a quem quer que seja?
...


Custa a crer que só o Sr. D. Afonso Henriques fundasse 150 entre igrejas e mosteiros, e doasse ao mosteiro de Alcobaça 31 vilas, fora outras doações a vários corpos de mão morta.



mesmo depois que o Sr. D. João I constituiu, pela primeira vez uma milícia permanente, e resolveu que houvessem sempre no reino 3:200 lanças de cavalo, e 550 arnezes, fez a distribuição pela seguinte maneira: repartiu 500 lanças pelos capitães do reino, e as outras pelas ordens de Cristo, Aviz, S. Tiago, e prior do hospital. Distribuiu outro sim os 550 arnezes por alguns outros donatários da coroa, cabendo 30 ao prior de Santa Cruz, e 20 ao abade de Alcobaça. Eis aqui os encargos das doações, e os títulos porque os donatários recebiam os quartos, oitavos, e outras quotas de frutos; mas os empregados sumiram-se na noite dos tempos, e as pensões continuaram a oprimir os desvalidos povos.



Enquanto se tratar de forais, ou por melhor dizer, de prestações agrárias parciais, não me hei-de calar …. Não honremos com o santo nome de leis aos forais, nem com o santo nome de contratos a esses actos usurários e lesivos, que fizeram os Leões com as raposas, e os Lobos com cordeiros. Chamemos-lhe roubos;



O extenso terreno dos Coutos de Alcobaça paga de cada moio dezanove e meio alqueires aos frades Bernardos, além do dizimo.



Mas quê? Não só nos querem inculcar como justa lei, e contrato, mas como obra pia, obrigarem os Reis aos cultivadores de extensos terrenos a pagar terço e quarto de todos os seus frutos para manter conventos de ociosos, e ociosas … que desfrutam de grossas rendas só para rezarem, isto é, para fazerem aquilo que todo o cristão é obrigado a fazer.
….


como se pode sustentar que não houve violência em estipular (os) despotismos que achamos escrito nas escrituras dos contratos? Mas porque se escreverão eles? Porque os infelizes colonos não tinham outro remédio senão deixar escrever nelas tudo o que quisessem os senhores, sob pena de se irem andando com o saco às costas por esse mundo de Cristo, e em muitas partes os tabeliães eram os mesmos frades que escreviam quanto queriam, e diziam depois ao oprimido e ignorante lavrador, assine para ai.



Eu insisto pois na minha primeira opinião da total extinção dos forais.”


NOTAS:
As citações forma retiradas do “Diario das Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza”, que contém as actas dos debates parlamentares, (disponível na internet em: http://debates.parlamento.pt/).
Os foros, o regime da enfiteuse, que se caracterizava pela separação entre a propriedade de raiz e o domínio útil da terra, só foram definitivamente extintos, em Portugal, após 1974.

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2 comentários:

  1. temos de ter memória e história!
    Gracias
    aquel'abRRaço

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  2. Obrigado pelo seu comentário.
    E, sim, temos de ter memória e conhecer a história.
    Só assim Alcobaça poderá modificar a relação doentia que tem com o seu Mosteiro.

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