Dos livros de casamentos da Freguesia de S. Vicente de
Aljubarrota que se encontram digitalizados e actualmente disponíveis em digitarq.adlra.pt,[i]
o mais antigo é o Livro de Casamentos da Fregª de S. Vicente / Livro 1º / 1802
a 1826, cujo termo de abertura é o seguinte:
“Este livro é para se fazerem os assentos dos casamentos da
Fregª de S. Vicente de Aljubarrota deste Bispado de Leiria 12 de Janrº de 1803 Dr.
José Joaquim Duarte Amado”
Sem embargo, o primeiro dos assentos é relativo a um
casamento ocorrido em 7 de Dezembro de 1802. Vamos desprezar este e concentrarmo-nos
nos celebrados na década correspondente aos anos de 1803 a 1812.
No período celebraram-se um total de 68 casamentos, à média
de 6,8 casamentos/ano variando o nº efectivo de casamentos entre o máximo de 11
(em 1803 e 11812) e o mínimo de 3 em 1810.

1810 foi o ano em que, em Outubro, após a Batalha do Buçaco,
a região foi vítima da passagem sucessiva dos exércitos de Wellington que no
seu recuo para as linhas de Torres e a política de terra queimada, provocou
grandes devastações, e de Massena que, em perseguição daquele, esteve acampado
na Região[ii]
e, daí até à sua retirada em abril de 1811, ficaram estacionadas em frente das
linhas de Torres e na região entre Rio Maior e Santarém e fizeram sucessivas
incursões na região para pilhagem de alimentos e forragens. No entanto, não parece
poder afirmar-se uma relação directa entre o diminuto número de casamentos
havidos nesse ano em S. Vicente e esses factos, porquanto, tratando-se embora
do ano com menor número de casamento (3) a verdade é que um deles foi celebrado
em novembro tendo os outros dois tido lugar em fevereiro e março anteriores,
mas nenhum nos restantes meses, nem janeiro ou setembro, dois dos meses normalmente
com mais casamentos.
Olhando para a distribuição dos casamentos ao longo do ano,
tem-se uma confirmação do ditado popular que postula que “boda molhada é boda
abençoada”. De facto, a distribuição do somatório dos casamentos do período
pelos meses do ano, dá o seguinte resultado:
Distribuição
dos casamentos pelos meses do ano
|
jan
|
fev
|
mar
|
abr
|
mai
|
jun
|
jul
|
ago
|
set
|
out
|
nov
|
dez
|
8
|
4
|
1
|
3
|
1
|
1
|
1
|
3
|
14
|
6
|
22
|
4
|
EEm
flagrante contraste com a actualidade, quando os meses de Verão são os preferidos
para as festas de casamento.
Neste período paroquiaram S. Vicente de Aljubarrota 3 padres:
o Cura Tomás de Aquino da Costa, que o fazia desde 1793 e prolongou o seu
magistério até novembro de 1810, quando foi sucedido pelo Cura José Maria de
Sequeira que assinou o seu primeiro casamento em abril de 1811, mantendo-se até
abril de 1812, seguindo-se o Cura José Joaquim Leitão que assina o seu primeiro
assento de casamento em junho de 1812. Dos 2 primeiros os assentos que agora estudamos
não nos fornecem outros elementos. Do padre José Joaquim Leitão, ficamos a
saber que em janeiro de 1803 já era padre coadjutor da freguesia de S. Vicente
e que em 1805 era igualmente coadjutor mas, agora, de Nossa Senhora dos Prazeres,
da mesma Vila de Aljubarrota, cargo que também desempenhava em 1809. Não deixa
de ser curioso este trânsito do padre entre as duas freguesias de Aljubarrota, sabendo
nós que o curato de S. Vicente era da apresentação das Colegiadas de Porto de
Mós[iii],
enquanto o Vigário de Nossa Senhora dos Prazeres era apresentado pelo Abade
Bernardo de Alcobaça[iv].
Os assentos mencionam, seja como oficiantes, seja como
testemunhas, além dos curas Tomás de Aquino da Costa e José Maria de Sequeira,
mais os seguintes padres, todos eles, como havemos de ver em outros estudos,
naturais do concelho de Aljubarrota.
- José Joaquim Leitão, ou José Leitão, ou Joaquim Leitão
que, como vemos, foi Coadjutor de S. Vicente e de Nossa Senhora dos Prazeres e,
finalmente, Cura de S. Vicente.
- João Gomes, da Ataíja de Cima.
- Joaquim de Sousa, natural da Ataíja de Cima que, sabemo-lo, foi Cura da
Paróquia de Santo António do Arrimal e faleceu em 4-2-1827, sendo sepultado na
Capela da Nossa Senhora da Graça da Ataíja de Cima.[v]
- José Coelho, do Casal da Eva.
- Manuel Coelho de Sousa, ou Manuel Coelho, ou Manuel de Sousa, natural dos
Casais de Santa Teresa, cujo testamento já estudámos .[vi]
- Rufino da Fonseca, que em Dezembro de 1808 é vigário encomendado de Nossa
Senhora dos Prazeres
- João Pedro da Cunha, prior de S. Pedro de Porto de Mós
- António José Gomes Botelho, certamente familiar dos capitães Manuel Pedro (Manuel
Pedro Gomes Botelho) e Gregório José Gomes Botelho.
- Reverendo Dr. José de Sousa, da Vila.
E, outras pessoas importantes:
- Alferes José Tavares Amado ou José Tavares
- Capitão José Joaquim Tavares Amado, ou José Tavares Amado. Trata-se,
certamente, da mesma pessoa que em 1807 era Alferes e em 1809 já era Capitão.
- Alferes António da Fonseca, natural de Leiria casado com Josefa Clara Xavier
do Couto, natural de Famalicão, mas residentes em Aljubarrota de onde era
natural a filha Rita Rosa da Fonseca que casou com o viúvo Francisco Viegas
Machado que já encontrámos como proprietário de escravos[vii].
- Capitão Bartolomeu José Rodrigues Carreira, ou Bartolomeu Rodrigues Carreira,
casado com D. Maria Doroteia Ângela de Sequeira, pais de Fortunata Maurício de
Sequeira que casou com Joaquim Bernardo, filho do Dr. Silvestre Triaga de
Mendonça
- Capitão Manuel Pedro Gomes Botelho, ou Manuel Pedro
- Dr. Francisco Correia Triaga de Mendonça, ou Francisco Correia, ou Francisco
Correia Triga, ou Francisco Correia de Mendonça.
- Dr. Silvestre Triaga de Mendonça.
Os casamentos eram por regra celebrados na Igreja Paroquial de
S. Vicente. No entanto, um deles teve lugar na Paroquial de N. S. dos Prazeres
e outros em capelas das aldeias da freguesia: cinco em N. S. da Graça, da
Ataíja de Cima, três em Santa Teresa, dos Casais de Santa Teresa e um em S.
Sebastião, na Ataíja de Baixo. Parece não haver nenhuma razão especial para o
facto que, acreditamos, se deverá à vontade dos noivos.
Os párocos raramente assinalaram o estado dos noivos. Onde
não há outra indicação, presume-se que eram solteiros, o que, expressamente, só
é dito em 10 casos no que diz respeito aos noivos e 11 no que respeita às
noivas. Como viúvos, geralmente com identificação do cônjuge falecido, são
indicados 13 noivos (19,1%) e 5 noivas (7,3%), sendo que num único caso ambos
são viúvos.
Onde foram viver os novos casais?
O filho do Dr. Triaga e a filha do Capitão Bartolomeu, foram
assistir para a Quinta de S. Paio, Freguesia de Santa
Maria da Vila de Porto de Mós.
De quatro não se indica o lugar do novo
lar e, dos que saíram da freguesia, seis fixaram-se em diferentes lugares da
outra freguesia de Aljubarrota, N. S. dos Prazeres, cinco foram para outras
freguesias que hoje fazem parte do concelho de Alcobaça (Alpedriz, Cela, Évora,
Maiorga e S. Martinho do Porto), um ficou-se na fronteira da freguesia, em
Cumeira de Cima, já na freguesia do Juncal e Concelho de Porto de mós. Apenas
um casal foi viver mais longe, em Abitureiras (a meio caminho entre Rio Maior e
Santarém).
Os outros cinquenta ficaram na freguesia,
em regra na aldeia de onde eram, ou um deles, originários. Ou seja, 73,5% dos
novos casais ficaram a residir na freguesia e mais 8,8% na freguesia de Nossa
Senhora dos Prazeres. O que significa que, pelo menos 82,3% desses novos casais
se fixou na área da actual freguesia de Aljubarrota, distribuídos pelos
diversos lugares, como segue:
|
Lugares da
freguesia onde assentaram os novos casais
|
(N. S. Prazeres)
|
Ataíja de Baixo
|
Ataija de Cima
|
Cadoiço
|
Casais S. Teresa
|
Cumeira de Baixo
|
Vila (S. Vicente)
|
6
|
12
|
12
|
6
|
11
|
3
|
6
|
Fará aqui sentido lembrar que, cerca de cinquenta
anos antes, as Memórias Paroquiais indicam para alguns destes lugares os
seguintes vizinhos: Ataíja de Baixo 32, Ataíja de Cima 53, Cadoiço 10, Casais
S. Teresa 32, Vila (S. Vicente) 73.
Independentemente do crescimento que tais
lugares tenham ou não sofrido entre 1758 e 1802, assunto sobre o qual, de
momento, não possuímos informação, o número de novos casais nesta 1ª década de
1800 representará, certamente, um importante acréscimo ao respectivo número de
fogos e, por isso, ao crescimento populacional futuro.
De onde eram naturais e onde moravam as
pessoas referidas nestes assentos, noivos, pais e testemunhas?
Infelizmente, os assentos umas vezes são
omissos e outras são pouco claros, não sendo fácil distinguir quem mora aonde,
ou quem é natural de onde. Assim, não havendo condições para quantificar com
rigor a frequência com que surge (ou devia surgir) cada uma das localidades
mencionadas, o que seria interessante para analisar a mobilidade geográfica da
população de Aljubarrota neste início do século XIX, diremos apenas que as povoações
mais referidas são, naturalmente, aquelas da freguesia que mais beneficiaram da
nupcialidade mas, também, povoações de freguesias vizinhas, desde logo Nossa
Senhora dos Prazeres e, nesta, o Carvalhal, a sua maior aldeia mas, também, o
Juncal e a Maiorga, ou a Cela. As referências à cidade de Lisboa (3), dizem respeito
à naturalidade da mãe de um dos nubentes e, também, ao facto de dois deles
serem expostos do “Real Hospital de Cidade de Lisboa”. Referências a
localidades mais afastadas, são pontuais e dizem respeito a uma única pessoa
por localidade.
Ainda assim, vale a pena elencar as sessenta
povoações, casais ou lugares mencionados nestes assentos porque isso, a par das
já referidas localidades de assento dos novos casais, nos dará apesar de tudo, alguma
noção da referida mobilidade geográfica da população deste pequeno concelho
rural. No quadro abaixo inclui-se o nome da povoação ou lugar, a freguesia
respectiva e, se julgado necessário para melhor identificação, o município actual.
Lista das povoações
mencionadas nos assentos
|
Abitureiras, Santarém
|
Aldeia Galega da Merceana, Alenquer
|
Ataija de Baixo, SV
|
Ataíja de Cima, SV
|
Alvados, Porto de Mós
|
Andaínho, Juncal
|
Bispado de Orense, Reino da Galiza
|
Bizorreiro, Paião
|
Boavista NSP
|
Boieira, Juncal
|
Cadoiço, SV
|
Carvalhal, NSP
|
Casal da Boieira, Juncal
|
Casal da Eva, NSP
|
Casal da Fonte, Juncal
|
Casal da Ladeira, Pousos, Leiria
|
Casal do Botas, Maiorga
|
Casal da Ortiga, Évora
|
Casal do Mogo, SV
|
Casal do Rei, NSP
|
Casal do Rei, SV
|
Casal dos Vales, Maiorga
|
Casal Novo, Juncal
|
Casal Velho, Juncal
|
Casais de S. Teresa, SV
|
Casal do Boieiro, Juncal
|
Casal do Rei, SV
|
Cela
|
Chãos, SV
Chequeda, NSP
|
|
Cidade de Leiria
|
Cividade, Batalha
|
Costa Barrenta, Juncal
|
Cumeira de Baixo, SV
|
Cumeira de Cima, Juncal
|
Ervedeira, Coimbrão
|
Lisboa (RHCL)
|
Famalicão
|
Feteira, São João, Porto de Mós
|
Juncal
|
Lagoa do Cão, NSP
|
Maiorga
|
Moita, Pataias
|
Pedreira do Muliano, NSP
|
Pedreiras, S. Pedro, Porto de Mós
|
Póvoa, Cós
|
Quinta da Cruz, NSP
|
Quinta de S. Paio, Santa Maria, Porto de Mós
|
Quinta de Ricos Vales, Juncal
|
Rebotim, Alpedriz
|
Ribadaves, Souto da Carpalhosa
|
Ribeira de Cima, S. Pedro, Porto de Mós
|
Lisboa, S. Miguel de Alfama,
|
S. Paulo, Coimbra
|
S. Pedro, Porto de Mós
|
Sta. Maria, Porto de Mós
|
Várzeas, Souto da Carpalhosa
|
Venda Nova, S. Martinho do Porto
|
Vila, NSP
|
Vila, SVA
|
Viseu
|
|
Ou seja, tudo se passa numa área muito
restrita centrada na freguesia e alargando-se, cada vez mais tenuemente, ao
então concelho e aos concelhos imediatamente vizinhos. Fora isso, apenas uma ou
outra pessoa justifica as raras referências a localidades mais distantes.
[i]
Consultado em 12.03.2021
[ii] O
General Koch, nas suas Memórias de Massena, Livros Horizonte, Lisboa, 22007, refere-se
expressamente a tropas estacionadas em Calvaria, Alcobaça, Pedreiras, Molianos
e Candeeiros
[iii] “ O parocho
desta igreja é cura annual de alternativa; aprezentação das colegiadas de Sam Pedro
e Santa Maria da villa de Porto de Moz”, conf. Memórias Paroquiais (1758).
Volume III, João Cosme e José Varandas, Caleidoscópio e CHUL, Lisboa, 2011.